CUT quer trabalho decente nas obras e no evento. Mas projeto do Senado, o AI-5 da Copa, quer classificar greves durante o torneio como crime.
Se dependesse só da FIFA e das multinacionais, as áreas e atividades relacionadas à Copa do Mundo de Futebol 2014 formariam uma espécie de território autônomo, com jurisdição especial. Nesse reino, personagens como trabalhadores em greve, vendedores ambulantes ou idosos seriam tratados como vilões e, de preferência, mantidos do lado de fora das muralhas.
Diferentes entidades têm se mobilizado para impedir esse conto de fadas macabro. A CUT tem agido em três frentes: na elaboração e aprovação do Acordo Nacional da Indústria da Construção Civil; na inclusão de emendas no projeto de Lei Geral da Copa e, evidentemente, na mobilização. O rumor de uma greve nas obras de construção dos estádios, a partir de março, tem atraído curiosidade até da imprensa internacional.
De outro lado, há quem queira ajudar a monarquia do futebol internacional em seus interesses. No Senado, um projeto de lei assinado por Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA) pretende instituir novas regras de segurança e punição penal que começariam a valer três meses antes do início das partidas e durariam até o encerramento do torneio.
Escrito por: Isaías Dalle
Nessa proposta, há um capítulo dedicado ao direito de greve, que classifica 13 setores de atividade como estratégicos. Esse grupo de 13 setores ficaria, segundo o texto, “condicionado ao disposto nesta Lei”, ou seja, durante os quase cinco meses em que a proposta pretende vigorar, as greves poderiam ser punidas com sanções penais expressadas em mais de 50 artigos, que incluem até mesmo prisão.
Também segundo o projeto, caso as categorias decidam realizar a greve mesmo assim, deveriam avisar patrões, autoridades e usuários com 15 dias de antecedência e ainda manter 70% dos trabalhadores em serviço durante a paralisação. Caso contrário, bem, aí fica a cargo de quem – juiz, prefeito, governador etc. – vai avaliar o significado da frase “condicionado ao disposto nesta Lei”.
Lá pelas tantas, o projeto dos três senadores também prevê um regime de funcionamento especial da Justiça, em que casos surgidos antes e durante a Copa seriam julgados a toque de caixa, se preciso inclusive aos sábados e domingos, com a convocação extraordinária dos quadros dos tribunais de toda espécie.
Não é difícil imaginar que, avisados 15 dias antes que uma greve será realizada, os céleres magistrados, nessa espécie de regime de exceção, impetrarão interditos proibitórios e outras medidas para impedir as paralisações e até mesmo manifestações “por motivo político”.
Grafiteiro desenha sobre cerca das obras do Estádio Nacional de Brasília
“Estão querendo instituir o AI-5 da Copa”, ataca o presidente nacional da CUT, Artur Henrique. “É um absurdo querer criar um estado de exceção para tratar do direito de greve no Brasil”, completa. “Todo esse capítulo da greve é inconstitucional, por inviabilizar o exercício do direito de greve, previsto no artigo 9º da Constituição”, analisa o consultor jurídico da Central, Maximiliano Nagl Garcez. “É querer inviabilizar a greve”.
Por conta do surgimento desse projeto, que ainda gravita no Senado, mas que pode, ainda que em parte, ser incorporado à Lei Geral da Copa ou mesmo se tornar uma legislação adicional, a CUT decidiu enviar ofício aos seus autores pedindo sua imediata retirada. Líderes partidários também serão procurados pela Central.
Para compreender melhor a extensão e a rigidez da proposta dos três senadores, o texto diz, por exemplo, que “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso (...) e político (...)” é um crime que renderia prisão de 15 a 30 anos. Resta saber o que poderia ser interpretado como “terror” ou “pânico”. Uma passeata na Avenida Paulista, por exemplo, em que turistas desavisados pudessem se sentir com medo de sair do hotel, seria rotulada como crime? Na justificativa do projeto, os senadores alegam o risco de atividades terroristas. Porém, ao submeter as greves aos dispositivos da nova lei, tudo pode acontecer.
É importante destacar que esse projeto foi apresentado ao Senado em dezembro, muito antes que eclodisse a paralisação dos policiais militares na Bahia, e, portanto nada tem a ver com o episódio.
Na opinião do consultor jurídico Garcez, a proposta “concede poder excessivo e discricionário à ‘autoridade’ que nem se sabe quem seria”.
Além disso, o projeto de lei desconsidera o fato de que está sendo elaborado um projeto de lei chamado de Lei Geral da Copa, com a participação de diversos atores. No início, o texto base da Lei Geral foi enviado pelo Governo Federal ao Congresso. A partir daí, entidades passaram a pressionar pela inclusão de emendas. A CUT vem sendo representada neste esforço pelo secretário nacional de Relações de Trabalho, Manoel Messias Melo.
A Central reivindica, e já encaminhou ao relator do projeto, deputado Vicente Cândido (PT-SP), algumas modificações e inclusões:
a) Que seja permitido o trabalho, nas imediações dos estádios, de vendedores autônomos e ambulantes que possuam cadastro nas prefeituras.
b) Garantia de cotas de ingressos gratuitos para idosos, indígenas, pessoas inscritas em programas de transferência de renda e para os operários que trabalharam nas obras da Copa
c) Garantia do pleno direito do exercício de greve
d) Inclusão de uma campanha pelo trabalho decente no Brasil nos materiais de divulgação da competição. A FIFA já decidiu criar o slogan “Por um mundo sem armas, sem drogas e sem violência”, a ser exibido durante as partidas. O que a CUT reivindica é a inclusão, neste mesmo slogan, da frase “e com trabalho decente”.
e) Que o trabalho voluntário, que a FIFA quer incluir na Copa, não substitua empregos ou precarize as condições de trabalho
f) Fiscalização e punição para patrocinadores ou fornecedores que usem trabalho escravo ou infantil em suas cadeias produtivas
g) Respeito aos acordos coletivos já existentes.
Completando as ações, há ainda o Acordo Nacional da Indústria da Construção Civil, elaborado e já assinado pelas centrais CUT, Força e UGT (que possuem representação no setor), as entidades patronais e o governo federal. Já pronto, o acordo será apresentado oficialmente pela presidenta Dilma, provavelmente no prazo de um mês.
Como se trata de um acordo de livre adesão por parte das empresas, a Conticom-CUT, confederação nacional que representa os trabalhadores da construção civil e da indústria da madeira, promete pressionar as empresas, em todos os canteiros de obra, a cumprir as regras lá estabelecidas.
“O acordo de livre adesão está pronto. Mas queremos que se torne um contrato coletivo nacional, ou seja, que seja cumprido já em nossa data-base, que em quase todo o Brasil é em maio. Portanto, a partir de março começaremos a pressionar. Se preciso for, vamos fazer greves nas obras dos estádios que vão sediar os jogos”, garante o presidente da Conticom, Cláudio Gomes.
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