quarta-feira, 18 de maio de 2011

No HGE, pacientes são devorados por formigas e convivem com goteiras e cadáveres.



Corpo espera ser recolhido por funcionários, em meio aos doentes do HGE

Odilon Rios
Do Repórter Alagoas

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Pacientes devorados por formigas, apertados em macas pequenas, mortos dividindo espaço com os vivos, lixo próximo a pacientes, goteiras e atendimentos improvisados em cadeira por falta de leitos. Esse é o retrato da crise na maior unidade pública de saúde de Alagoas- o Hospital Geral do Estado.

Durante três semanas, o RA percorreu o HGE com uma câmera escondida, flagrando situações da agonia de quem não tem condições de pagar um plano de saúde na rede privada e depende do único hospital-referência nos atendimentos de urgência e emergência.

Uma das fotos mostra um paciente entubado no chão, na área vermelha- que recebe pacientes mais graves.

Outro espera sentado em uma cadeira, com um soro nas mãos e vestindo em fraldas, a desocupação de um leito.

Atualmente, o HGE tem 260 leitos. Uma reforma no hospital- parada há três anos- estende para 410 o número de vagas.

“Esse caos é assustador. Precisar do HGE é ter a certeza de que o risco maior é de morrer que viver”, disse o presidente do Sindicato dos Médicos, Welington Galvão.

74% da população de Alagoas dependem do Sistema Único de Saúde, o SUS. E, um dia, vai ao HGE, que deveria atender só doentes de urgência e emergência.

“Na prática, trata até pessoas com unha encravada. O HGE é a maior vítima disso. O sistema de saúde em Alagoas não avançou estes anos. Por isso, vemos essa situação bizarra: pacientes em agonia nos corredores. Os postos de saúde não funcionam”, disse o defensor público, Ricardo Melro.

Nos corredores, o grito de um paciente denuncia as fortes dores no braço direito mas também o inusitado: formigas devoram o corpo dele. Os insetos estão espalhados pelos lençóis e descem da parede.

Sem forças para espantá-las, ele espera atendimento de enfermeiras e médicos. Os profissionais da saúde não suportam a pressão e adoecem.

Enquanto isso, um corpo está ao lado de pacientes, à espera de recolhimento.

Outro, em surto, é amarrado com faixas pelos punhos e pernas na maca. Ele tem convulsões, depois de receber várias pauladas na cabeça, em uma tentativa de homicídio.

“Falta material, a gente tem que improvisar. Eu não agüentei. Tive um enfarto, sem motivo nenhum. Tenho uma saúde perfeita. Os plantões são extenuantes, insuportáveis”, disse um profissional do hospital, pedindo para não ser identificado.

“Eu tive uma crise nervosa vendo o desespero de uma pessoa no corredor, sem poder fazer nada. Eu não agüentei”, disse outra profissional.

“O HGE é o inferno. Quem trabalha lá, depois desta vida, vai para o Paraíso. Nada é pior que aquele lugar”, disse outro funcionário.

No corre-corre dos profissionais para salvar vidas, caixas de papelão viram bandejas com medicamentos. Macas são mesas. Remédios e seringas são manipulados próximo a lixo- o risco é o de uma infecção por bactéria.

Seis pacientes estão internados no HGE, em uma área isolada, infectados com uma superbactéria- a acinetobacter baumannii. Dez pessoas morreram em Alagoas, nos últimos dois meses, por causa dela, em hospitais da rede pública.

No descanso- uma sala para que os funcionários tirem um cochilo para o retorno ao trabalho- a água desce do teto como se lá existisse uma torneira: é a chuva saindo pelas goteiras.

Semana passada, o Sindicato da Saúde, Trabalho e Previdência Social (Sindiprev) encaminhou, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL), um relatório contendo detalhes sobre a situação do HGE. Fotos mostravam superlotação, atendimento precário, o risco a vida dos pacientes.

“O que esperamos é uma posição para que se melhorem as condições de trabalho dos nossos profissionais”, disse a diretora do Sindiprev, Olga Chagas.

“Eu mesmo sofri um acidente de carro em 1990 e precisei ser internado no HGE. Não tinha médico. Veio uma enfermeira para colocar pontos em meu rosto”, disse o defensor público, Ricardo Melro, hoje do Núcleo de Saúde da Defensoria.

“Vivemos uma situação tão difícil na saúde pública que uma paciente veio a Defensoria atrás de atendimento. Quando ela sentou, me disse que tinha suspeita de câncer no colo do útero. Quando ela se levantou, o sangue escorreu pelas pernas. Um absurdo”, disse Melro. Mais de 700 ações estão na Justiça, pedindo o básico: de colchão especial para doentes a remédios que não existem nas farmácias públicas por estarem fora da lista do SUS.

Uma das possíveis alternativas para melhorar o atendimento público foi discutida na última sexta-feira. Depois de dois anos, os ministérios público do Trabalho, Federal e o Governo do Estado acordaram que reabrirão os 96 leitos, que estão fechados, no Hospital Universitário. Por falta de profissionais e sem previsão de concurso público, os leitos não funcionam.

E não são apenas as fotos que mostram que a falta de leitos é um dos maiores problemas na saúde pública alagoana. Os números do relatório “Estatísticas da Saúde- Assistência Médico-Sanitária”- publicados em novembro do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a quantidade de leitos hospitalares caiu nos últimos cinco anos. Perdeu 24 vagas- de 5.953 ficou em 5.929, de 2005 a 2009.

Destes, apenas 36,4% são públicos e 63,6%, privados. 3.448 dos leitos em unidades particulares são do SUS.

“Temos um déficit de 1.500 leitos. Mesmo que construíssemos três hospitais, com 300 leitos cada, não cobriríamos esta oferta”, disse o superintendente de Atenção a Saúde, Vanilo Soares.

A curto prazo, segundo o secretário, não existe solução para a situação da saúde. O Governo comprou um terreno em Maceió para a construção de um hospital e, em parceria com o Unicef- o Fundo Internacional da Criança- tenta-se um hospital para o público infantil.

“Mostra-se o caos com os corredores lotados, mas não as partes do hospital que funcionam- e bem. Um dos conselhos que damos a população é que não procure o HGE por qualquer coisa”, disse o superintendente.

Os profissionais da saúde não esperam mais tanto tempo. A partir desta semana, médicos, enfermeiros e técnicos se reúnem para discutir uma greve geral. Eles querem reajustes nos salários e melhores condições de trabalho.

“Nem o governador agüentaria ficar meia hora no HGE. Espero que ele nunca precise”, aconselha o presidente do Sindicato dos Médicos, Welington Galvão.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tudo isto é a mais pura verdade!!