segunda-feira, 23 de maio de 2011

Caos urbano e holocausto de jovens em Maceió

Golbery Lessa- Historiador

Na última década, a capital alagoana tornou-se a cidade brasileira com o maior índice de mortes violentas e os jovens das classes trabalhadoras são a maior parte entre as vítimas e os algozes.

O proletariado está dizimando o próprio proletariado. 

Trata-se da realização do mais acalentado sonho maquiavélico da burguesia: a guerra no interior das classes subalternizadas. Esse fenômeno é resultado do caos social e urbano maceioense his-toricamente cultivado pelas elites da cidade e pela hegemonia canavieira no estado. 

A superação da hecatombe de jovens trabalhadores e de uma lagoa Mundaú de lágrimas entre seus pais depende de um projeto de poder alternativo para a cidade e o estado que organize a massa dos oprimidos com o objetivo de efetivar um planejamento urbano democrático e uma economia alagoana inclusiva e diversificada. 

Até o final dos anos 1950, Maceió nunca tinha recebido um fluxo avassalador de pessoas expulsas do campo.

Nos períodos anteriores, as usinas utilizavam técnicas agrícolas rudimentares, o que concorria para reter uma grande quantidade de força de trabalho no interior, e a maior diversificação da economia agrícola contribuía igualmente para estancar o êxodo rural. 

Sempre houve extrema pobreza na capital, mas a prevalência das relações sociais personalizadas e o peso da cultura tradicional limitavam os conflitos no seio das classes trabalhadoras.

Havia falta de saneamento, fome, desemprego, prostituição, moradia precária e outros problemas que subsistem, mas não havia a fria impessoalidade e a falta de referências culturais integrativas que foram estabelecidas nos últimos cinquenta anos pela influência de um mercado agindo sem um poder público com capacidade de contrabalanceá-lo.

Nas últimas décadas, a captura de Maceió por determinadas elites chegou ao seu mais alto grau.

Os vários prefeitos que se sucedem têm confiado continuadamente a cidade às imobiliárias, à classe média alta, às empresas de transporte público, às empreiteiras, às empresas de coleta de lixo e a uma série de pequenos grupos interessados em lucrar com o caos urbano.

A especulação imobiliária é amplamente permitida, inviabilizando a ra-cionalização espacial, cultural e econômica da cidade. A verticalização da Ponta Verde, por exemplo, passou de tal maneira dos limites que o abastecimento de água do bairro tem sido suprido por meio de caminhão-pipa, como ocorre com a mais desassistida pe-quena cidade do Sertão.

O trabalhador que mora na periferia paga com seu desconforto o caos urbano que enriquece as empresas referidas e dá prestígio à classe média alta.

O caráter caótico da expansão imobiliária em Maceió inviabiliza um efetivo planejamento do tráfego, o que aumenta muito o tempo gasto no transporte público e mesmo no transporte individual.

A valorização vertiginosa dos apartamentos do Farol ou da Ponta Verde eleva o aluguel em todos os bairros, penalizados os casais jovens de baixa renda.

Na primeira gestão do atual prefeito, o alargamento e a abertura de novas ruas, bem como a racionalização do tráfego e a construção de viadutos, pareciam elementos de um caminho eficaz para diminuir o tempo gasto pelo trabalhador dentro do ônibus.

Contudo, as referidas obras não vieram acompanhadas do planejamento global da cidade; após três anos, as ruas alargadas e os viadutos serviram apenas para estimular a compra e o uso do veículo individual e complicar novamente o trânsito, talvez numa dimensão mais grave que a vigente no período anterior.

A maioria dos taxistas deixou de defender o prefeito Cícero Almeida. O trabalhador da periferia está novamente horas enlatado no ônibus, tempo que ele subtrai do próprio lazer, do trabalho e do estudo.

Apesar de ser geral, o caos urbano de Maceió atinge menos os espaços destinados ao trabalho do que os espaços dedicados ao lazer e a outras dimensões da integração social.

Como o universo do trabalho absorve a maior parte do tempo dos adultos, estes ficam mais protegidos da desorganização do urbano, mas as crianças e a juventude são diretamente atingidas, pois seu mundo é justamente presidido pelo lazer e a integração social.

O sistema escolar é precário e culturalmente excludente, o sistema de saúde não chega à criança e ao jovem com a presteza e a qualidade necessárias, o sistema de creches existente é residual, as praças e equipamentos coletivos de lazer são precários e sem a presença de programas públicos integrativos, as moradias são inadequadas e expulsam por si a criança e o jovem de casa, os mais velhos são postos na trágica situação de terem de cuidar dos menores sem a presença dos pais, enfim, a fragmentação e a ineficiência das políticas públicas colocam o peso de uma pirâmide sobre o caráter em formação das nossas crianças e jovens das classes trabalhadoras.

Isso explica a presença da cola, do crack, do furto, do roubo, do latrocínio, do estupro, da prostituição e do assassinato entre parcelas dessa população juvenil.

A solução para a desintegração das políticas públicas em Maceió, que é a causa dessas e de outras anomalias sociais, é a construção de uma ampla aliança política entre os vários setores das classes oprimidas (e parte das classes médias) para superar esse estado de coisas por meio de um projeto democrático e racional de cidade e de estado.

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