As mudanças políticas no mundo árabe vão, lentamente, perdendo seu caráter regional. A “revolta árabe” (no singular) que denota uma causa comum tende a se tornar cada vez mais plural. Em todos os países, homens e mulheres de todas as idades, classes, regiões, crenças e profissões tomaram as ruas para responsabilizar seus governantes invocando justiça, liberdade e democracia. Mas não se pode esquecer que as revoluções têm suas feições particulares cujo efeito tem sido profundamente desigual. O artigo é de Reginaldo Nasser
A motivação nas insurreições árabes em reivindicar justiça social e direitos políticos sem pretensões religiosas ou slogans antiocidentais marcou a primeira fase das revoltas árabes. As populações foram capazes de expor a corrupção dos governantes decadentes e denunciaram a pobreza demonstrando ainda que não poderiam ser mais cooptadas ou simplesmente ignoradas. Os sistemas políticos e econômicos construídos no mundo árabe, bem como as velhas idéias e práticas que dominaram a vida de gerações, estão desabando. Como todo e qualquer movimento político que traz a perspectiva de mudança é quase inevitável a busca por analogias históricas. Alguns viram nessas revoltas o “1989” árabe, uma nova revolução iraniana (1979) ou até mesmo as semelhanças com as revoluções na Europa em 1848. Sem recorrer a esses recursos comparativos que não têm apenas a pretensão de explicar, mas que também é uma tentativa de moldar os eventos, pode-se constatar a presença de elementos que estão desaparecendo e outros que já mostram sinais de adaptação aos novos tempos. Estereótipos baseados em imagens do passado ainda teimam em resistir, mas já se distanciam das novas realidades e não tardarão a se mostrarem anacrônicos.
As mudanças políticas no mundo árabe vão, lentamente, perdendo seu caráter regional. A “revolta árabe” (no singular) que denota uma causa comum tende a se tornar cada vez mais plural. Em todos os paises, homens e mulheres de todas as idades, classes, regiões, crenças e profissões tomaram as ruas para responsabilizar seus governantes invocando justiça, liberdade e democracia. Mas não se pode esquecer que as revoluções têm suas feições particulares com base em uma interação específica de forças locais, regionais e internacionais cujo efeito tem sido profundamente desigual.
Na Tunísia e Egito os princípios democráticos ganharam terreno, mas não o suficiente para desmontar o complexo militar-industrial que continua a formar a espinha dorsal do Estado. Da mesma forma, os setores sociais tunisianos que sempre usufruíram das benesses do antigo governo não desistirão facilmente de seus privilégios e, provavelmente, ainda terá apoio na França. As Revoltas no Bahrein e Siria estão sendo reprimidas com relativo sucesso, enquanto os protestos na Argélia, Marrocos e Jordânia foram, até agora, relativamente tímidos. Somente no Iêmen os acontecimentos têm repercutido mais intensamente e é possivelmente que provoque, pelo menos, uma reforma política. A Líbia aparece com uma exceção nesse processo em que as revoltas acabaram por levar a uma guerra civil ocasionando uma intervenção externa. Se o impasse permanecer, não será improvável uma partição do Estado nacional líbio. Já os povos do Iraque, Palestina, Líbano e Sudão estão sob o domínio da guerra, ocupação e insurgência. A repressão violenta contra os manifestantes, no Bahrein mostra a presença do poder das potências e suas estreitas ligações com estes regimes.
Pode-se dizer que, de uma forma geral, são quatro os atores que terão maior influência no processo de transição: os militares, os movimentos islâmicos, a oposição secular (nova geração de atores sociais ainda não organizada) e os Estados Unidos e seus aliados. Três são os elementos analíticos fundamentais para analisar o sucesso de uma revolução: a legitimidade e/ou eficácia do aparato coercitivo, o grau de fratura de elite e o grau de mobilização popular. Se as Forças Armadas estão dispostas a se voltarem contra seu próprio povo, se a elite permanece intacta, e se as pessoas não estão dispostas a morrer por uma causa a revolução não acontece. Nesse sentido pode-se dizer que num extremo do processo revolucionário no mundo árabe está o Egito, onde o Exército retirou seu apoio ao regime, a elite se fragmentou significativamente, e os manifestantes mantiveram-se mobilizados e altamente comprometidos. No outro extremo encontra-se a Líbia, onde as forças leais a Khadafi permaneceram dispostas para o combate apesar do cerco internacional. (George Lawson. Open Democracy)
Os diversos movimentos e as vozes emergentes das insurreições têm imensos desafios, incluindo a negociação política que exige ir além das antigas práticas do clientelismo. As negociações em curso entre o exército e os setores da classe média terão grandes dificuldades em encontrar uma linguagem comum, diminuindo as possibilidades de uma transição consensual. As mesmas características que, inicialmente, apareciam como grande mérito dos jovens na rua (alta capacidade de mobilizar as pessoas), agora se transforma em fraqueza: a ausência de lideres, de um plano político e de organização.
A manipulação por trás dos conflitos sobre a nova Constituição no Egito não é apenas o efeito colateral de uma política de transição, mas o resultado das ações dos guardiões do antigo regime governos em sintonia com os interesses ocidentais. A única força política que já existia em todos estes países árabes são os partidos islâmicos. Apesar de estarem perdendo terreno, porque a sua identidade e razão de ser foram construídos em um ambiente autoritário, ainda serão decisivos nesse momento já que têm capacidade de acessar todos os movimentos na região e contam com recursos e organização. Provavelmente surgirão variações moderadas em estreita sintonia com os movimentos seculares.
O fato é que, apesar de a mudança democrática ainda não ter sido institucionalizada, mesmo naqueles locais onde mais avançou como no Egito e qualquer que venha ser o resultado imediato, as revoluções árabes colocaram a autocracia na defensiva em uma das regiões em que sempre se mostrou mais arraigada.
Trata-se de uma verdadeira guerra de posições em que aliados do antigo regime tentarão se desvincularem, ao máximo, de suas políticas fracassadas. A luta pela implementação do pluralismo democrático e dos direitos universais no Oriente Médio será decidida pela capacidade dos novos movimentos populares se organizarem e conseguirem o apoio de amplos segmentos da sociedade. Esse novo caminho será irregular, incompleto, incerto, e por vezes, violento, mas não revertido facilmente.
Por mais poderosos e consistentes que possam ser esses movimentos, será decisivo o apoio de forças internacionais para que as mudanças possam ir além de uma reforma constitucional. Cada vez mais os EUA evidenciam sua incapacidade em ordenar o sistema internacional e manter seu domínio inconteste. Apesar das disparidades de poder, os Estados Unidos não podem impedir a presença de outros países, como o Brasil, que têm plenas condições de exercer alguma influência no curso dos acontecimentos internacionais no Oriente Médio.
Professor de Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
As mudanças políticas no mundo árabe vão, lentamente, perdendo seu caráter regional. A “revolta árabe” (no singular) que denota uma causa comum tende a se tornar cada vez mais plural. Em todos os paises, homens e mulheres de todas as idades, classes, regiões, crenças e profissões tomaram as ruas para responsabilizar seus governantes invocando justiça, liberdade e democracia. Mas não se pode esquecer que as revoluções têm suas feições particulares com base em uma interação específica de forças locais, regionais e internacionais cujo efeito tem sido profundamente desigual.
Na Tunísia e Egito os princípios democráticos ganharam terreno, mas não o suficiente para desmontar o complexo militar-industrial que continua a formar a espinha dorsal do Estado. Da mesma forma, os setores sociais tunisianos que sempre usufruíram das benesses do antigo governo não desistirão facilmente de seus privilégios e, provavelmente, ainda terá apoio na França. As Revoltas no Bahrein e Siria estão sendo reprimidas com relativo sucesso, enquanto os protestos na Argélia, Marrocos e Jordânia foram, até agora, relativamente tímidos. Somente no Iêmen os acontecimentos têm repercutido mais intensamente e é possivelmente que provoque, pelo menos, uma reforma política. A Líbia aparece com uma exceção nesse processo em que as revoltas acabaram por levar a uma guerra civil ocasionando uma intervenção externa. Se o impasse permanecer, não será improvável uma partição do Estado nacional líbio. Já os povos do Iraque, Palestina, Líbano e Sudão estão sob o domínio da guerra, ocupação e insurgência. A repressão violenta contra os manifestantes, no Bahrein mostra a presença do poder das potências e suas estreitas ligações com estes regimes.
Pode-se dizer que, de uma forma geral, são quatro os atores que terão maior influência no processo de transição: os militares, os movimentos islâmicos, a oposição secular (nova geração de atores sociais ainda não organizada) e os Estados Unidos e seus aliados. Três são os elementos analíticos fundamentais para analisar o sucesso de uma revolução: a legitimidade e/ou eficácia do aparato coercitivo, o grau de fratura de elite e o grau de mobilização popular. Se as Forças Armadas estão dispostas a se voltarem contra seu próprio povo, se a elite permanece intacta, e se as pessoas não estão dispostas a morrer por uma causa a revolução não acontece. Nesse sentido pode-se dizer que num extremo do processo revolucionário no mundo árabe está o Egito, onde o Exército retirou seu apoio ao regime, a elite se fragmentou significativamente, e os manifestantes mantiveram-se mobilizados e altamente comprometidos. No outro extremo encontra-se a Líbia, onde as forças leais a Khadafi permaneceram dispostas para o combate apesar do cerco internacional. (George Lawson. Open Democracy)
Os diversos movimentos e as vozes emergentes das insurreições têm imensos desafios, incluindo a negociação política que exige ir além das antigas práticas do clientelismo. As negociações em curso entre o exército e os setores da classe média terão grandes dificuldades em encontrar uma linguagem comum, diminuindo as possibilidades de uma transição consensual. As mesmas características que, inicialmente, apareciam como grande mérito dos jovens na rua (alta capacidade de mobilizar as pessoas), agora se transforma em fraqueza: a ausência de lideres, de um plano político e de organização.
A manipulação por trás dos conflitos sobre a nova Constituição no Egito não é apenas o efeito colateral de uma política de transição, mas o resultado das ações dos guardiões do antigo regime governos em sintonia com os interesses ocidentais. A única força política que já existia em todos estes países árabes são os partidos islâmicos. Apesar de estarem perdendo terreno, porque a sua identidade e razão de ser foram construídos em um ambiente autoritário, ainda serão decisivos nesse momento já que têm capacidade de acessar todos os movimentos na região e contam com recursos e organização. Provavelmente surgirão variações moderadas em estreita sintonia com os movimentos seculares.
O fato é que, apesar de a mudança democrática ainda não ter sido institucionalizada, mesmo naqueles locais onde mais avançou como no Egito e qualquer que venha ser o resultado imediato, as revoluções árabes colocaram a autocracia na defensiva em uma das regiões em que sempre se mostrou mais arraigada.
Trata-se de uma verdadeira guerra de posições em que aliados do antigo regime tentarão se desvincularem, ao máximo, de suas políticas fracassadas. A luta pela implementação do pluralismo democrático e dos direitos universais no Oriente Médio será decidida pela capacidade dos novos movimentos populares se organizarem e conseguirem o apoio de amplos segmentos da sociedade. Esse novo caminho será irregular, incompleto, incerto, e por vezes, violento, mas não revertido facilmente.
Por mais poderosos e consistentes que possam ser esses movimentos, será decisivo o apoio de forças internacionais para que as mudanças possam ir além de uma reforma constitucional. Cada vez mais os EUA evidenciam sua incapacidade em ordenar o sistema internacional e manter seu domínio inconteste. Apesar das disparidades de poder, os Estados Unidos não podem impedir a presença de outros países, como o Brasil, que têm plenas condições de exercer alguma influência no curso dos acontecimentos internacionais no Oriente Médio.
Professor de Relações Internacionais da PUC (SP) e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP).
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